07 junho, 2007

Como se tivesse sido escrito ontem

Poeta castrado não!

Serei tudo o que disserem
por inveja ou negação:
cabeçudo dromedário
fogueira de exibição
teorema corolário
poema de mão em mão
lãzudo publicitário
malabarista cabrão.
Serei tudo o que disserem:
Poeta castrado não!

Os que entendem como eu
as linhas com que me escrevo
reconhecem o que é meu
em tudo quanto lhes devo:

ternura como já disse
sempre que faço um poema;
saudade que se partisse
me alagaria de pena;

e também uma alegria
uma coragem serena
em renegar a poesia
quando ela nos envenena.

Os que entendem como eu
a força que tem um verso
reconhecem o que é seu
quando lhes mostro o reverso:

Da fome já não se fala
- é tão vulgar que nos cansa
- mas que dizer de uma bala
num esqueleto de criança?

Do frio não reza a história
- a morte é branda e letal
- mas que dizer da memória
de uma bomba de napalm?

E o resto que pode ser
o poema dia a dia?
- Um bisturi a crescer
nas coxas de uma judia;
um filho que vai nascer
parido por asfixia?!
- Ah não me venham dizer
que é fonética a poesia!

Serei tudo o que disserem
por temor ou negação:
Demagogo mau profeta
falso médico ladrão
prostituta proxeneta
espoleta televisão.
Serei tudo o que disserem:
Poeta castrado não!

José Carlos Ary dos Santos

3 comentários:

Ninas disse...

Um dos 6 livros que tenho na minha secretária para ler é "Vinte anos de poesia" de Ary dos Santos. Muito bom.

Pisca disse...

As palavras das Canções, vale a pena

Delicioso até para entender o Ary

Não esqueça Manuel da Fonseca (Cerromaior e Seara de Vento)

Obrigado

Coca disse...

Anda tudo à volta de um largo na nossa vida. Onde se cruzam pessoas e de onde se vê o mundo. Abraço de boa semana.